Em fazer o bem sem ostentação há grande
mérito; ainda mais meritório é ocultar a mão que dá; constitui marca
incontestável de grande superioridade moral, porquanto, para encarar as coisas
de mais alto do que o faz o vulgo, mister se torna abstrair da vida presente e
identificar-se com a vida futura; numa palavra, colocar-se acima da Humanidade,
para renunciar à satisfação que advém do testemunho dos homens e esperar a
aprovação de Deus. Aquele que prefere ao de Deus o sufrágio dos homens prova
que mais fé deposita nestes do que na Divindade e que mais valor dá à vida
presente do que à futura. Se diz o contrário, procede como se não cresse no que
diz.
Quantos há que só dão na esperança de
que o que recebe irá bradar por toda a parte o benefício recebido! Quantos os
que, de público, dão grandes somas e que, entretanto, às ocultas, não dariam
uma só moeda! Foi por isso que Jesus declarou: "Os que fazem o bem
ostentosamente já receberam sua recompensa." Com efeito, aquele que
procura a sua própria glorificação na Terra, pelo bem que pratica, já se pagou
a si mesmo; Deus nada mais lhe deve; só lhe resta receber a punição do seu
orgulho.
Não saber a mão esquerda o que dá a mão
direita é uma
imagem que caracteriza admiravelmente a beneficência modesta. Mas, se há a modéstia
real, também há a falsa modéstia, o simulacro da modéstia. Há pessoas que
ocultam a mão que dá, tendo, porém, o cuidado de deixar aparecer um pedacinho,
olhando em volta para verificar se alguém não o terá visto ocultá-la. Indigna
paródia das máximas do Cristo! Se os benfeitores orgulhosos são depreciados
entre os homens, que não será perante Deus? Também esses já receberam na Terra
sua recompensa. Foram vistos; estão satisfeitos por terem sido vistos. E tudo o
que terão.
E qual poderá ser a recompensa do que
faz pesar os seus benefícios sobre aquele que os recebe, que lhe impõe, de
certo modo, testemunhos de reconhecimento, que lhe faz sentir a sua posição,
exaltando o preço dos sacrifícios a que se vota para beneficiá-lo? Oh! para
esse, nem mesmo a recompensa terrestre existe, porquanto ele se vê privado da
grata satisfação de ouvir bendizer-lhe do nome e é esse o primeiro castigo do
seu orgulho. As lágrimas que seca por vaidade, em vez de subirem ao Céu,
recaíram sobre o coração do aflito e o ulceraram. Do bem que praticou nenhum
proveito lhe resulta, pois que ele o deplora, e todo benefício deplorado é
moeda falsa e sem valor.
A beneficência praticada sem ostentação
tem duplo mérito. Além de ser caridade material, é caridade moral, visto que
resguarda a suscetibilidade do beneficiado, faz-lhe aceitar o benefício, sem
que seu amor-próprio se ressinta e salvaguardando-lhe a dignidade de homem,
porquanto aceitar um serviço é coisa bem diversa de receber uma esmola. Ora,
converter em esmola o serviço, pela maneira de prestá-lo, é humilhar o que o
recebe, e, em humilhar a outrem, há sempre orgulho e maldade. A verdadeira
caridade, ao contrário, é delicada e engenhosa no dissimular o benefício, no
evitar até as simples aparências capazes de melindrar, dado que todo atrito
moral aumenta o sofrimento que se origina da necessidade. Ela sabe encontrar
palavras brandas e afáveis que colocam o beneficiado à vontade em presença do
benfeitor, ao passo que a caridade orgulhosa o esmaga. A verdadeira
generosidade adquire toda a sublimidade, quando o benfeitor, invertendo os
papéis, acha meios de figurar como beneficiado diante daquele a quem presta
serviço. Eis o que significam estas palavras: "Não saiba a mão esquerda o
que dá a direita."
Allan Kardec. Da obra: O Evangelho Segundo o Espiritismo. 112 edição.
Livro eletrônico gratuito em http://www.febnet.org.br.
Federação Espírita Brasileira. 1996.
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