01 setembro 2010

PROVAS VOLUNTÁRIAS

Perguntais se é licito ao homem abrandar suas próprias provas.

Essa questão eqüivale a esta outra: 
É lícito, àquele que se afoga, cuidar de salvar-se? 
Aquele em quem um espinho entrou, retirá-lo? 
Ao que está doente, chamar o médico? 
As provas têm por fim exercitar a inteligência,
tanto quanto a paciência e a resignação. 
Pode dar-se que um homem nasça em posição penosa e difícil, 
precisamente para se ver obrigado a procurar meios de vencer as dificuldades. 
O mérito consiste em sofrer, sem murmurar, 
as conseqüências dos males que lhe não seja possível evitar, 
em perseverar na luta, em se não desesperar, se não é bem-sucedido; 
nunca, porém, numa negligência que seria mais preguiça do que virtude.
Essa questão dá lugar naturalmente a outra. 
Pois, se Jesus disse: "Bem-aventurados os aflitos", 
haverá mérito em procurar, alguém, aflições que lhe agravem as provas, 
por meio de sofrimentos voluntários? 
A isso responderei muito positivamente: sim, 
há grande mérito quando os sofrimentos e as privações 
objetivam o bem do próximo, porquanto é a caridade pelo sacrifício; 
não, quando os sofrimentos e as privações somente objetivam 
o bem daquele que a si mesmo as inflige, 
porque aí só há egoísmo por fanatismo.
Grande distinção cumpre aqui se faça: 
pelo que vos respeita pessoalmente, 
contentaivos com as provas que Deus vos manda 
e não lhes aumenteis o volume, 
já de si por vezes tão pesado; 
aceitá-las sem queixumes e com fé, 
eis tudo o que de vós exige ele. 
Não enfraqueçais o vosso corpo 
com privações inúteis e macerações sem objetivo, 
pois que necessitais de todas as vossas forças 
para cumprirdes a vossa missão de trabalhar na Terra. 
Torturar e martirizar voluntariamente o vosso corpo é coutravir a lei de Deus, 
que vos dá meios de o sustentar e fortalecer. 
Enfraquece-lo sem necessidade é um verdadeiro suicídio. 
Usai, mas não abuseis, tal a lei. 
O abuso das melhores coisas tem a sua punição 
nas inevitáveis conseqüências que acarreta.
Muito diverso é o quê ocorre, 
quando o homem impõe a si próprio sofrimentos para o alívio do seu próximo. 
Se suportardes o frio e a fome para aquecer 
e alimentar alguém que precise ser aquecido e alimentado 
e se o vosso corpo disso se ressente, 
fazeis um sacrifício que Deus abençoa. 
Vós que deixais os vossos aposentos perfumados 
para irdes à mansarda infecta levar a consolação; 
vós que sujais as mãos delicadas pensando chagas; 
vós que vos privais do sono para velar à cabeceira 
de um doente que apenas é vosso irmão em Deus; 
vós, enfim, que despendeis a vossa saúde na prática das boas obras, 
tendes em tudo isso o vosso cilício, 
verdadeiro e abençoado cilício, 
visto que os gozos do mundo não vos secaram o coração, 
que não adormecestes no seio das volúpias enervantes da riqueza, 
antes vos constituístes anjos consoladores dos pobres deserdados.
Vós, porém, que vos retirais do mundo, 
para lhe evitar as seduções e viver no insulamento, que utilidade tendes na Terra? 
Onde a vossa coragem nas provações, uma vez que fugis à luta e desertais do combate? 
Se quereis um cilício, aplicai-o às vossas almas e não aos vossos corpos; 
mortificai o vosso Espírito e não a vossa carne; 
fustigai o vosso orgulho, recebei sem murmurar as humilhações; 
flagiciai o vosso amor-próprio; 
enrijai-vos contra a dor da injúria e da calúnia, 
mais pungente do que a dor física. 
Aí tendes o verdadeiro cilício cujas feridas vos serão contadas, 
porque atestarão a vossa coragem e a vossa submissão à vontade de Deus. 
Um anjo guardião. (Paris, 1863.)


Allan Kardec. Da obra: O Evangelho Segundo o Espiritismo. 112 edição. Livro eletrônico gratuito em http://www.febnet.org.br.

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